segunda-feira, 25 de maio de 2009

PROJETO INTEGRADO DÁ FRUTOS E SE CONSOLIDA NO BAIXO SUL DA BAHIA


Cenários: Iniciativa da Michelin que mistura borracha, cacau, banana e pesquisas ganha corpo
Chico Santos, de Igrapiúna (BA)
Uma solução inusitada para um problema econômico está rendendo um bom retorno para a dona do problema, a multinacional francesa Michelin, e para a região do Baixo Sul da Bahia, especialmente para os pequenos municípios de Igrapiúna e Ituberá.
Em 2004, a empresa loteou entre 12 de seus empregados uma fazenda de seringais decadente e infestada pelo fungo Microcyclus ulei, causador do mal das folhas. De lá para cá, os resultados são animadores. A produção aumentou, o pessoal empregado saltou de 600 para mil e um arranjo agroflorestal mais rentável foi desenvolvido, combinando cacaueiros e bananeiras com seringueiras mais resistentes ao fungo desenvolvidas pelo centro de pesquisas da multinacional na região.
A história, como lembra Paulo Roberto Bomfim, gerente da Plantações Michelin da Bahia, teve início em 1981, quando a Michelin, que começava a fabricar seus pneus no Brasil, comprou da americana Firestone uma fazenda de 9 mil hectares e uma fábrica de beneficiamento de borracha natural nos municípios de Camamu, do qual foi desmembrada a atual Igrapiúna, e Ituberá.
Na época era fundamental ter seringais próprios no país. A legislação estabelecia uma reserva de mercado de 40% para a borracha natural brasileira e o preço era fixado pela CONAB, acima da cotação internacional. As seringueiras, plantadas nas décadas de 50 e 60, estavam atacadas pelo mal das folhas, uma praga presente em todas as regiões úmidas - onde ela é normalmente mais produtiva - da América do Sul. O fungo faz as árvores mais antigas perderem até 50% de sua produtividade, enquanto as mais novas ficam mirradas e chegam até a morrer.
Com a abertura econômica da década de 90, acabou a reserva de mercado e o tabelamento de preços. A borracha brasileira despencou, chegando a US$ 500 por tonelada (no ano passado, pico inverso, o preço internacional estava em US$ 3,2 mil por tonelada). A fazenda perdeu interesse estratégico para a Michelin, que ficou sem saber o que fazer com ela.
O diagnóstico foi de que a venda pura e simples traria pelo menos três outros problemas: a perda de dez anos de pesquisas em busca de variedades da seringueira resistente ao fungo, a perda de 1,5 mil hectares de Mata Atlântica virgem, com possibilidade de, com reflorestamento, chegar a 3 mil, e o desemprego para quase 600 pessoas, uma vez que a fábrica de borracha ocupa menos de 50 empregados.
Surgiu, então, a ideia de um projeto integrado, ambiental, científico e econômico. A monocultura de seringueira, com seu problema de perda brusca de renda toda vez que o preço internacional da borracha natural cai, foi descartada. O modelo de plantação foi redesenhado. Em vez de 500 seringueiras por hectare, 400 seringueiras, 900 cacaueiros e 900 bananeiras, sendo a bananeira incluída mais como geradora de sombra para o cacaueiro jovem, enquanto as seringueiras, que levam sete anos para crescer e produzir látex, não formam copas.
Mas como plantar não era o foco do grupo francês, surgiu a ideia de dividir parte da propriedade (5 mil hectares) em 12 fazendas de médio porte, com cerca de 400 hectares cada, e vender a pessoas integradas ao projetos, empregados da própria empresa. Os lotes foram financiados em oito anos pela própria Michelin, no valor total de aproximadamente US$ 5 milhões. Dos 12 compradores, sete permaneceram trabalhando na Michelin, mas com um dia por semana dedicado à fazenda. Nascia o projeto Ouro Verde.
"Eu participei da divisão da área sem saber que seria um dos proprietários", afirma Bomfim. Dos 4 mil hectares restantes, 3 mil ficaram para reserva de Mata Atlântica e mil foram destinados ao plantio de árvores para a continuidade do programa de pesquisa para melhoria genética da seringueira. O gerente de pesquisa, Carlos Mattos, é outro que se tornou fazendeiro, dono de 487 hectares (o maior lote), sendo 160 de seringal adulto em produção e 75 plantados já no novo sistema.
De acordo com Mattos, as pesquisas já resultaram em três variedades resistentes e produtivas, em 300 variedades novas em fase de pesquisa e em 30 mil plantas resultantes de 700 mil polinizações de clones resistentes com outros de alta produtividade.
O objetivo é desenvolver variedades que dispensem a clonagem, trabalho delicado e que encarece a plantação (cada clone custa, com subsídio, da R$ 2,00 a R$ 2,30 para o produtor). De quebra, tornar o Brasil, origem da Hevea brasiliensis, principal espécie de seringueira, autossuficiente em borracha natural. O país, que produziu 110 mil toneladas em 2008, importa 70% da borracha que consome.
Outra preocupação dos cientistas que estudam a seringueira no Brasil e no mundo é evitar que o fungo Microcyclus ulei chegue à Ásia, continente que produz mais de 90% da borracha natural consumida no mundo e onde cerca de 30 milhões de famílias dependem do produto para sobreviver.
"Seria um desastre", diz Mattos, para quem só um milagre impediu até agora a migração do fungo do qual já se conhecem 55 mutações. Com cuidado, via França, onde as pesquisas na Bahia contam desde o início com a parceria do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisas Agronômicas (Cirad), variedades resistentes estão sendo passadas para estudos nos países produtores da Ásia e da África, em busca de uma preparação prévia para algo considerado inevitável.
Os 12 novos fazendeiros nascidos da divisão da Fazenda Michelin produziram no ano passado 2,6 mil toneladas, ante 2,35 mil em 2004. A meta conservadora da cooperativa que eles formaram é chegar a 3,5 mil toneladas em 2023, quando o grupo também pretende estar produzindo 1,05 mil toneladas de cacau. Esta produção era para ter começado em 2010, mas o início foi no ano passado, com 24 toneladas. Em 2009, deve alcançar 75 toneladas.
A Michelin compra toda a borracha para alimentar sua fábrica, cuja produção saltou de 8 mil toneladas em 2004 para 12 mil em 2008, aproveitando a alta dos preços. A meta da empresa é produzir 18 mil toneladas em 2015, embora este ano, devido à queda de demanda e preços, a produção deva cair para 11 mil. No auge da crise iniciada em setembro do ano passado, o preço da borracha natural desabou de US$ 3,2 mil para 1,2 mil a tonelada; agora está em suave elevação, mas ainda abaixo de US$ 2 mil.
Segundo outro fazendeiro, José Ângelo Cairo, que deixou a Michelin para se dedicar totalmente ao negócio - é o presidente da cooperativa -, o bom preço do cacau está compensando, em parte (a produção ainda é pequena), as perdas com a borracha. A produção vem sendo toda comprada pela Nestlé. A cooperativa investiu R$ 260 mil em um equipamento de secagem de cacau, buscando um produto de qualidade diferenciada, e planeja, no futuro, agregar valor ao produto, passando, ela mesma, a produzir chocolate.
Em 2008, a cooperativa faturou US$ 4 milhões. Com a crise, Cairo disse que não deve chegar à metade este ano. Segundo ele, os produtores obtiveram antecipação de setembro para março do financiamento do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) para plantio e manutenção e estão queimando parte da gordura acumulada com os preços excepcionalmente bons do período pré-crise.
O jornalista viajou a convite da Michelin.


Veículo: VALOR ECONÔMICO -SP
Editoria: AGRONEGÓCIOS
Data: 25/05/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário

pesquise

Pesquisa personalizada

"Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, e depois perdem o dinheiro para a recuperar. Por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que acabam por nem viver no presente nem no futuro.
Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se não tivessem vivido..." (Confúcio)

Obrigado pela visita!