domingo, 26 de julho de 2009

PAGANDO A CONTA DOS RICOS


Novas metas ambientais de EUA e Europa podem atingir US$ 73 bi de vendas do Brasil
Eliane Oliveira e Patrícia Duarte

BRASÍLIA O recente compromisso dos países desenvolvidos - tendo à frente o presidente dos EUA, Barack Obama - de assumir metas mais ambiciosas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa deixou integrantes do governo e especialistas brasileiros em alerta. A avaliação é que o Brasil corre sério risco de pagar essa conta, por meio de sobretaxas, aumentos de subsídios e outros tipos de restrições. Seria uma forma de ressarcimento dos investimentos que serão realizados pelos fabricantes dos países industrializados, incluindo mudanças em suas matrizes energéticas e em seus métodos de produção. Ou seja: o Brasil vai enfrentar uma nova onda de barreiras protecionistas nos próximos anos.
Entre os produtos mais suscetíveis, por sua grande competitividade no mercado externo, estão calçados e couro, açúcar, fumo, etanol, suco de laranja, siderúrgicos, carnes e complexo soja. Só no ano passado, a receita com esses itens foi de US$ 72,8 bilhões, 36,94% da pauta total de exportações brasileiras em 2008.
Açúcar, calçados e etanol na mira
A expectativa é de que sejam impostas restrições às exportações brasileiras em áreas sensíveis para as nações ricas, com justificativas já tradicionais, como a criação de exigências técnicas e fitossanitárias, e mesmo ambientais.
O Japão, por exemplo, restringiria mais a cota de calçados importados do Brasil; a União Europeia elevaria subsídios a seus produtores de açúcar refinado - distorcendo os preços internacionais e tirando competitividade do açúcar brasileiro - e os EUA subiriam sobretaxas à importação do etanol, alegando que a redução do desmatamento na Amazônia não foi satisfatória.
Além do Brasil - que já é um dos principais alvos de medidas protecionistas e detentor da matriz energética mais limpa do mundo - outros emergentes terão de compensar a alta de custos de produção das indústrias em nações desenvolvidas, para que seus governos se adaptem às novas metas.
- O desafio é como os negociadores brasileiros e de países em desenvolvimento vão se comportar no sentido de evitar armadilhas que encareçam a nossa produção de forma descabida - disse o embaixador do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo.
O prenúncio do que está por vir parte do país que finalmente concordou em se enquadrar na nova ordem mundial: os EUA. Circula no Senado americano o projeto que cria a Lei de Segurança e Energia Limpa. O texto prevê, entre outras coisas, aumento de tarifas de importação para países que não adotem compromissos de cortes de emissões de CO2. Isso mostra o risco de um efeito dominó.
- O Brasil é o país que tem a matriz energética mais limpa do mundo, mas pode ser alvo de abusos comerciais com motivos ambientais por ser uma das nações que acham não ter por que se comprometer com uma meta - disse Mário Marconini, diretor de Negociações Internacionais da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp).
Há grande expectativa em relação ao novo pacto climático mundial a ser anunciado durante conferência em Copenhage, na Dinamarca, em dezembro.
As sinalizações já começaram. No início deste mês, na Itália, o G-8 (sete países mais ricos do mundo e Rússia) indicou estar disposto a limitar o aumento do aquecimento global a dois graus centígrados e cortar emissões de gases do efeito estufa em 80%.
- Podemos amanhã ser acusados de dumping ambiental - afirmou o vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro.
Segundo o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, o Brasil tem sido bastante ativo em várias convenções ambientais. Ele argumentou, contudo, que um dos princípios das convenções internacionais é o da responsabilidade histórica. Ou seja, países desenvolvidos, seguramente, tiveram contribuição decisiva para a situação ambiental no mundo hoje.
- Atrás de toda boa intenção, há uma nova barreira. Por isso, é necessário analisar com muito cuidado qualquer proposta que vincule um objetivo nobre, mas sobre o qual não há justificativa científica - disse Barral.
Posição brasileira não é consenso
A posição brasileira é de não se submeter a metas acordadas multilateralmente.
O governo diz que o Brasil está fazendo sua lição de casa e aliou-se a Índia e China, países que só agora estão intensificando seu processo de industrialização.
Mas essa posição pode ser flexibilizada.
Há pressões dentro do governo contrárias ao alinhamento com chineses e indianos. Além disso, o processo ainda está em curso e o Brasil pode apoiar países desenvolvidos em troca de vantagens políticas, econômicas e comerciais.
O cientista político e comentarista ambiental Sérgio Abranches destaca alguns setores mais expostos, como cimentos, siderúrgicos, carnes e petroquímicos, que têm forte participação nas emissões de carbono.
- O governo brasileiro está ficando com a posição mais atrasada nesta questão ambiental. Até a China tem atitudes mais pró-ativas. Bastaria acabar de vez com o desmatamento, que responde por 70% das emissões de carbono hoje feitas no país - disse.
A economista e sócia da consultoria Tendências, Amaryllis Romano, lembra que o Brasil já tem algumas vantagens competitivas quando se olha para desafios ambientais no comércio exterior. Um exemplo é a produção de madeira certificada e o biodiesel.
Em recente relatório assinado em conjunto pela OMC e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), os organismos multilaterais já deixam claro que a questão climática está entrando na pauta do comércio exterior, mesmo em tempos de crise internacional.
O Globo 26/07/09

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