terça-feira, 14 de abril de 2009

'Salvação da lavoura' pode estar no cerrado brasileiro

Cinco árvores e arbustos do cerrado podem ser a solução para a agricultura brasileira no cenário de mudanças climáticas e aumento da temperatura. Esta é a aposta de técnicos da Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, que têm se debruçado no tema. "O cerrado brasileiro é um armazém de soluções genéticas", diz Eduardo Delgado Assad, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária, em Campinas. "É aí que está a salvação da lavoura".

Trata-se, por ora, apenas de uma forte suspeita - ninguém, ainda, está mapeando os mistérios genéticos da Sucupira preta, dos Pau-Terra da Folha Grande e da Folha Miúda, do Pacari e do Faveiro. Estas cinco desconhecidas são as mais frequentes de um conjunto de 38 plantas recorrentes nos 204 milhões de hectares de cerrado, indica um estudo fito-sociológico conduzido por cinco anos pela Embrapa Cerrado e a Universidade de Brasília. São encontradas do Mato Grosso do Sul ao sul do Maranhão e chegam às franjas da Amazônia. "Estas plantas têm uma elasticidade genética fantástica. Toleram baixas e altas temperaturas, épocas de chuva e situações de deficiência hídrica. Não é possível que este celeiro de genes não tenha soluções para nós", afirma Assad.

Mapear o genoma destas plantas e identificar o que as torna tão maleáveis a diferentes episódios climáticos é difícil, leva pelo menos dez anos e depende de investimentos de mais de R$ 50 milhões. São plantas não domesticadas e representam investimento de risco. Mas é na biodiversidade do cerrado - o bioma de menor ibope nas bandeiras do movimento verde -, e também na caatinga, que estarão muitas respostas para o futuro, acredita Assad. "Acabar com o cerrado é dar um tiro no pé", diz.

A Embrapa Informática fica dentro do campus da Universidade de Campinas, a Unicamp, e trabalhos de agricultura e clima são desenvolvidos em conjunto entre as duas instituições há 15 anos. Desta parceria em bio-informática surgiu, em 2000, o agritempo, site com cinco mil acessos diários de agricultores e agrônomos. Em trinta dias deve surgir um filhote maior, uma plataforma de pesquisas em mudanças climáticas reunindo trabalhos de 16 unidades da Embrapa, da Unicamp, da USP, da universidade de Viçosa e de vários outros centros de pesquisa. Vem sendo desenhada há dez meses sob a coordenação de Assad.

Dos estudos já finalizados surgem pistas claras que o aquecimento global provocará uma nova geografia de produção agrícola no País. A observação do passado sugere o cenário futuro: em setembro de 2004 bastou que as temperaturas médias no Estado de São Paulo registrassem uma alta de 4 graus durante uma semana para provocar morte de aves e queda drástica na produção de ovos. Um estudo da Unicamp calculou a perda na produção de leite, aves, ovos e pequenos animais em US$ 50 milhões, cita o professor Hilton Silveira Pinto, diretor associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas aplicadas à Agricultura, o Cepagri. "A produção de leite e carne é extremamente sensível às ondas de calor", diz. É um cenário de horror: pintinhos de um dia e frangos morrem, porcos e vacas abortam, ovos saem sem casca. Quando os termômetros marcam mais de 33 graus, a produção de leite cai pela metade. A solução é criar sistemas de alerta que avisem os fazendeiros a tempo para ligar ventiladores nos aviários, sugere o professor.

Outro trabalho toma como base o zoneamento de risco climático brasileiro e os horizontes de aumento da temperatura sugeridos pelo IPCC, braço científico das Nações Unidas. "A pergunta foi: se subir a temperatura, o que acontece com as colheitas?", diz Assad. O rendimento agrícola foi re-simulado em áreas de baixo risco climático, com aumentos de 1, 3 e 5,8 graus. "Pegamos, por exemplo, a melhor situação de soja no Brasil: plantio em novembro, ciclo de 120 dias e solo argiloso, e subimos um grau para ver o que ocorre".

O resultado é que soja, café e feijão são altamente suscetíveis; milho e cana são mais resistentes. O aumento de um grau faz com que a produção nacional de café caia 58% e a perda seja de R$ 58 bilhões. A planta de café aborta a flor e não dá fruto. A confusão piora se dias secos e frios se intercalam a chuvas repentinas e aumento da temperatura - estas oscilações prejudicam a qualidade do café misturando grãos maduros a grãos verdes. Com a soja, em 100 hectares de cultivo em área de baixo risco, basta um grau a mais na temperatura para ameaçar 25% da produção. Se os termômetros subirem e a umidade também, fungos devem proliferar e atacar com mais intensidade os cultivos de feijão.

Neste panorama, a tendência é que culturas se desloquem. Seringueira e cacau podem migrar da Bahia e se desenvolver bem no Estado de São Paulo. Os paulistas podem perder produtividade com as safras de café arábica, mas ainda ter sucesso com o robusta, mais resistente ao calor. Experimentos com café têm sido feitos no Sul do Paraná, onde as tradicionais geadas já não acontecem. "Não vamos fazer terrorismo climático e dizer que a agricultura brasileira vai pra cucuia", diz Silveira Pinto. "Há soluções na substituição de culturas, em técnicas de sombreamento, em pesquisas de híbridos e transgênicos", resume Assad. É aí, reforça, que entram as plantas do cerrado.

Nos últimos dez anos, várias das 41 unidades de pesquisa da Embrapa tocaram 212 projetos relacionados a mudanças climáticas, um investimento próximo a R$ 30 milhões. São estudos de sequestro de carbono, de remuneração por serviços ambientais, de sistemas de plantio direto. Nesta prática, que já toma 23 milhões de hectares no País, culturas de soja e milho são alternadas e o agricultor, depois da colheita, planta em cima da palhada. Mais água e nutrientes se mantêm no solo, evitam-se queimadas, a planta desenvolve mais e o sequestro de carbono é de 500 quilos de CO2 por hectare.

Outra linha de trabalhos que se amplia é a rede agrogases, onde são medidas emissões de metano, um gás-estufa formado no processo digestivo dos rebanhos. Os primeiros números estimam a emissão em 60 a 70 quilos de metano por animal/ano. Há estudos para mudar a dieta dos animais.

Para o tamanho do problema, os recursos são tímidos e costumam vir de CNPq ou Finep, dois financiadores do Ministério da Ciência e Tecnologia, e da própria Embrapa. No Ministério da Agricultura, o tema mudanças climáticas é difuso e se esparrama em programas ambientais que incentivam rotação de pecuária e lavoura, plantio de florestas comerciais, adubação verde ou maior eficiência no uso de água. Mas não existe rubrica específica para questões climáticas, reconhece Edilson Guimarães, secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O orçamento total da Embrapa moveu-se pouco nos últimos dois anos. Foi de R$ 1,037 bilhão, em 2006, para R$ 1,060 bilhão este ano.

Fonte: Seagri

Nenhum comentário:

Postar um comentário

pesquise

Pesquisa personalizada

"Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, e depois perdem o dinheiro para a recuperar. Por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que acabam por nem viver no presente nem no futuro.
Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se não tivessem vivido..." (Confúcio)

Obrigado pela visita!